30 Oct 2010

Em dívida como técnico, cinquentão Maradona ainda é 'Dios' para súditos

Eliminação na Copa desgasta imagem do Pibe, mas ídolo completa 50 anos
de muitas polêmicas e um futebol de rara beleza em alta com os argentinos

Por Lucas Loos Rio de Janeiro

Um dos principais ícones do futebol mundial completa meio século de vida neste sábado. Dono de uma biografia agitada dentro e fora dos gramados, Diego Armando Maradona chega aos 50 anos ainda como ídolo máximo dos hermanos, apesar da passagem frustrada como técnico da seleção. Depois da derrota por 4 a 0 para a Alemanha em 3 de julho, quando os hermanos perderam a chance de disputar uma semifinal de Copa do Mundo após 20 anos, o Pibe teve seu trabalho no comando da equipe de Messi & Cia. muito criticado. Mas os "súditos" argentinos ainda preferem separar o lado treinador da imagem de "Deus" do ídolo como jogador.

Maradona 50 anos 620x470Maradona chega aos 50 anos como ídolo máximo dos argentinos (Foto: Arte Esporte / Cláudio Roberto)

Após comandar o desconhecido Deportivo Mandiyú e o Racing em meados da década de 90, Maradona desembarcou na seleção argentina há cerca de dois anos, período em que pôde participar de sua quinta Copa do Mundo - a primeiro como treinador. Demitido do cargo em julho, o Pibe saiu por baixo e muito criticado. Boa parte dos torcedores discordou de suas decisões à beira do campo. As ausências de Zanetti, Riquelme e Cambiasso na lista de convocados para a África do Sul, por exemplo, foram pratos cheios para os corneteiros de plantão. Mesmo assim, o ex-jogador ainda é o ídolo máximo do país que tem até uma igreja em sua homenagem.

Confira a galeria de fotos com todas as fases da vida do Pibe

- É preciso lembrar que Maradona foi um Deus para a Argentina. Antes da Copa ele tinha muito apoio popular, e depois da eliminação apareceram opiniões contrárias a ele nas ruas. Quando falou que pretendia seguir no cargo, uma boa parcela dos argentinos foi contra. Mas eu acho que as pessoas ‘maradonianas’ serão sempre ‘maradonianas’. São fanáticas por ele. A eliminação da Copa não foi o fim de uma relação. Até porque um outro treinador teria sido muito mais criticado se tivesse perdido o Mundial - diz Ezequiel Cogan, jornalista do diário “Olé”.

Maradona derrota ArgentinaComo treinador, Maradona decepcionou no
comando da argentina (Foto: Getty Images)

Embora a imagem de ídolo tenha sobrevivido quase que intacta ao Mundial da África do Sul, o treinador Maradona não tem tanto prestígio quanto o mito que chegou ao auge na década de 80. O jornalista argentino Manolo Epelbaum, do SporTV, esteve no seu país natal durante a Copa e viu uma reação negativa dos torcedores.

- Eu via as pessoas com um sentimento de desilusão referente ao treinador Maradona durante a Copa. Lá se ouvia muito que ele era um treinador sem capacidade de dirigir uma seleção em uma Copa do Mundo e que a Argentina não poderia ter enfrentado a Alemanha daquela forma, de peito aberto. Além disso, o Messi não conseguiu repetir na seleção as atuações que tinha pelo Barcelona. Isso também motivou as críticas.

Como jogador, 'D10S'

Se na função de treinador da seleção o Pibe deixou a desejar, como jogador a história é completamente diferente. Após estrear com a camisa “albiceleste” em um amistoso contra a Hungria em 1977, Maradona disputou quatro Copas do Mundo, entre 1982 e 1994. Nesse período, o ex-jogador foi o principal responsável pelo título em 1986 e ainda levou os hermanos ao vice-campeonato, quatro anos depois - última vez em que a equipe passou da fase de quartas de final no torneio.

maradona campeão pela Argentina em 1986Maradona foi o protagonista da seleção argentina na conquista do Mundial de 1986 (Foto: AFP)

O Mundial do México ficou marcado pelo grande desempenho de Maradona. Protagonista da conquista, o camisa 10 fez cinco gols e ainda participou de outros cinco dos 14 convertidos pela sua seleção até a vitória por 3 a 2 sobre a Alemanha na decisão. Além disso, a atuação do Pibe nas quartas, contra a Inglaterra, está marcada na história do futebol. Isso porque ele fez o primeiro com a famosa “mão de Deus”, quando levou a melhor sobre o goleiro Peter Shilton de maneira pouco ortodoxa. O segundo foi das maiores pinturas já registradas no futebol mundial, que começou com um drible no meio de campo e uma arrancada que só terminou dentro da meta adversária. Em um trocadilho entre o número da camisa e a devoção dos argentinos, virou o "D10S" para a torcida.

Apesar de o balanço de Maradona na seleção se mostrar extremamente positivo, nem só de glórias o Pibe viveu na “Albiceleste”. E a maior baixa pela equipe argentina foi também em uma Copa. Apesar de estar totalmente fora de forma até pouco antes do Mundial de 1994, Maradona conseguiu recuperar-se rapidamente, a tempo de estar no torneio nos Estados Unidos. Durante os jogos, porém, o ex-jogador foi pego no antidoping, acusado de ter consumido efedrina, uma substância estimulante que serve para emagrecer, e desfalcou a Argentina no duelo contra a Romênia pelas oitavas de final, que resultou na eliminação hermana.

O auge em 1986 e o extremo amor pela pátria fazem de Maradona o maior ídolo da história do esporte argentino. O país sul-americano, no entanto, tem agora um outro camisa 10, de estatura semelhante, que começa a dividir a paixão dos torcedores. Lionel Messi, segundo alguns especialistas locais, já começa a virar o maior exemplo para os mais jovens. Bom moço e sem polêmica com drogas, o craque do Barcelona passou a virar a referência que Diego nunca foi.

- Na Argentina, as comparações com Messi são abundantes. Sempre acontecem, incluindo quando ele marcou um gol com a mão. Mas as crianças de hoje em dia querem ser Messi, não querem ser Maradona - disse Carlos Beer, jornalista do “La Nacion”.

Napolitanos mantêm fidelidade ao ídolo

Talvez em apenas um lugar do mundo Maradona seja mais amado do que na Argentina: Nápoles, na Itália, cidade onde reinou de 1984 a 1991, quando defendeu o Napoli. O camisa 10 trocou o Barcelona pelo até então desconhecido clube. Lá, Diego foi o protagonista dos três principais títulos da história do time: dois Campeonatos Italianos (1986/1987 e 1989/1990) e uma Copa da Uefa (1988/1989). Comparado ao padroeiro da cidade, San Gennaro, o ex-jogador mantém sua imagem intacta na cidade até hoje. Em 1990, o estádio San Paolo viu ainda boa parte da torcida presente apoiar a Argentina contra a própria Itália pela semifinal da Copa.

- Em Nápoles, é sempre a mesma coisa. Maradona é mais do que um ícone, é algo muito próximo a Deus. Nada mudou nos últimos 20 anos. Em parte porque o Napoli não ganhou nada sem Maradona. Em parte porque Maradona fez do Napoli o melhor time da Itália pela primeira e única vez na história. Então eu não acho que podemos descrever o que o Maradona significa para o Napoli. Mas, com certeza, podemos dizer que todos em Nápoles adoram San Gennaro e Maradona. Ambos fizeram milagres - disse Mattia Fontana, jornalista da revista italiana “Guerin sportivo”.

Confira os clubes que Maradona defendeu na carreira
Equipes
País
Período
Argentinos JuniorsArgentina1976-1981
Boca JuniorsArgentina1981-1982 / 1995-1997
BarcelonaEspanha1982-1984
NapoliItália1984-1991
SevillaEspanha1992-1993
Newell's Old BoysArgentina1993-1994

Com um total de 678 partidas disputadas e 345 gols marcados na carreira, Maradona chegou ao Napoli após passagens por Argentinos Juniors, Boca Juniors e Barcelona. Principal nome da história do clube italiano, que inclusive aposentou a camisa 10 em homenagem ao craque, o ex-jogador teve também na Velha Bota uma das principais baixas da carreira. Flagrado em 1991 no exame antidoping por uso de cocaína, droga que admitiu ter consumido desde os tempos de Barcelona, ele pegou um gancho de 15 meses de suspensão. O argentino ainda acabou preso por porte de drogas.

Careca Maradona AlemãoCom os brasileiros Careca e Alemão, Maradona brilhou com a camisa do Napoli (Foto: Site Oficial)

- O Maradona já era usuário de drogas no Napoli. Mas ninguém lá o ajudou a se livrar do problema. Só ajudaram a escondê-lo, provavelmente o tirando dos exames antidoping. No final, Maradona se sentiu traído quando, em 1991, finalmente foi flagrado - completou Mattia.

Polêmicas e problemas de saúde: Maradona fora dos gramados

Além de prejudicar a vida profissional de Maradona, que após a suspensão por doping não conseguiu repetir o desempenho dos tempos de Napoli e acabou encerrando a carreira em baixa, o problema com as drogas quase tirou a vida do craque em duas oportunidades. Após atravessar a década de 90 envolvido em polêmicas com relação aos abusos fora das quatro linhas, o Pibe foi internado, em junho de 2004, em estado grave, devido a complicações respiratórias, e correu risco de morte. O craque precisou de três meses para se recuperar.

A segunda baixa foi em 2007, dessa vez por conta dos abusos com álcool. Já livre das drogas, mas com péssimos hábitos, o ex-jogador, então com 46 anos, foi internado com uma crise hepática e passou mais 13 dias dentro de um hospital para se recuperar.

As polêmicas, inclusive, foram marcas registradas da carreira de Maradona. A fama de contestador e politicamente incorreto atravessou o tempo, e o Pibe chega aos 50 anos fazendo questão de manter a imagem de ídolo controverso. Um dos maiores alvos da metralhadora giratória do argentino é ninguém menos que Pelé, o maior nome do futebol brasileiro. Embora reconheça que o ex-santista se destacou mais dentro das quatro linhas, o jornalista Décio Lopes, do SporTV, reconhece que Maradona é mais valorizado em seu país de origem. E isso tem a ver com a forte personalidade do craque.

mil faces de maradona gordoAcima do peso e afundado nas drogas, Maradona
passou por maus bocados (Foto: agência Reuters)

- O povo argentino cultua Maradona com muito mais intensidade do que nós fazemos em relação a Pelé. Primeiro porque faz parte da personalidade deles, que são mais dramáticos. Além disso, a postura de Maradona é muito mais ‘passional’ que a de Pelé, Ele enfrenta a Fifa, os Estados Unidos, o papa... Qualquer um! Maradona ainda se ‘vende’ como um revolucionário, uma espécie de Che Guevara dos gramados. É amigo de Fidel, de (Hugo) Chavez, de (Evo) Morales, e as pessoas realmente o consideram uma espécie de Che. Um mito.

Mito que chega aos 50 anos de barba grisalha e ainda triste pelo fracasso na África e a morte do ex-presidente Nestor Kirchner. Morte que já viu muitas vezes de perto, mas que driblou como driblava os zagueiros ingleses.

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