Foi em Caieiras que o palmeirense deu seus primeiros chutes. Em 2009 ele disputou um campeonato de várzea lá e foi artilheiro. Como? Só nas faltas...
Um vira o rosto, enquanto outros dois protegem as partes íntimas. O mais baixinho nem consegue encará-lo e fica de frente para o gol. É só uma brincadeira, mas os amigos preferem não vacilar. Na bola, bem pertinho da meia-lua da grande área, Marcos Assunção repete o ritual como nas partidas do Palmeiras. Arruma a língua da chuteira do pé direito, ajeita as meias e conta mais ou menos três passos para trás antes de disparar o chute.
No Nacional Esporte Clube, no bairro das Laranjeiras, em Caieiras (cidade a 20km de São Paulo), Assunção se diverte com aquilo que se tornou a sua maior especialidade. O tiro de brincadeira acerta o ângulo do gol enferrujado, que está sem redes, no campinho onde ele aprendeu a cobrar as primeiras faltas, quando tinha apenas 11 anos.
- Eu ficava no meio-campo chutando a bola com força para que ela batesse na trave. Fazia isso sempre, repetidas vezes. Depois comecei a fazer gols. Eu era pequeninho, mas tinha um chute forte - relembra Assunção, de 34 anos, enquanto mostrava as redondezas do modesto campo varzeano ao GLOBOESPORTE.COM.
Os ensaios no Nacional rendem frutos até hoje. Graças à sua persistência, Assunção pôde ser mais uma vez decisivo na partida da última quarta-feira, contra o Internacional, na Arena Barueri. O placar de 2 a 0 para o Palmeiras foi construído com os pés calibrados do volante, que já marcou quatro vezes desta maneira pelo clube só no Campeonato Brasileiro - ele ainda tem mais um gol assim pela Copa Sul-Americana. É o atleta com mais gols em cobranças de faltas do torneio nacional. Mas o seu chute certeiro, que teve o colorado Renan como última vítima, ainda desfila pelo gramado judiado da várzea de Caieiras.
OS REIS DAS FALTAS NO BRASILEIRÃO 2010 | |
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QUEM MAIS COBROU | QUEM MAIS FEZ GOL |
Marcos Assunção (PAL): 28 | Marcos Assunção (PAL): 4 |
Baiano (GUA): 23 | Paulo Baier (ATP): 3 |
Roberto Carlos: (COR) 23 | Baiano (GUA) e Elkeson (VIT): 2 |
Em 2009, quando voltou a jogar no Brasil, após rodar por Itália, Espanha e Emirados Árabes, Marcos Assunção acertou com o extinto Grêmio Barueri. No entanto, um problema na documentação do atleta o impediu de disputar o Campeonato Brasileiro. Ele treinava com o grupo, mas não recebia salários e nem podia atuar. Sem partidas nos fins de semana, reforçou o Nacional no campeonato do bairro. Foi campeão e artilheiro da competição com sete gols - cinco em cobranças de faltas.
- Aqui é assim: quando temos uma falta e o Marcos está jogando, o pessoal já fica esperando para se abraçar e comemorar o gol. Todo mundo sabe que ele não vai errar. E não adianta querer tirar ele de campo. Ele sempre quer ficar até o fim - conta o amigo Rodrigo Brito Rocha, técnico do time.
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Nas partidas pelo Palmeiras, Assunção costuma comentar que os acertos ocorrem em decorrência dos exaustivos treinos, além da confiança que tem em si. Na várzea, deixa a modéstia de lado e se gaba dos feitos.
- Eu sou o salvador do time. Quando a coisa está ruim, eu entro em ação.
Marcos reconhece que atingir a perfeição é algo difícil na carreira. Mas conta que chegou bem perto enquanto esteve no Bétis. No clube espanhol, o volante relembra que causava uma reação diferente quando se aproximava da bola. Se no Palmeiras a torcida se assanha nas arquibancadas, no ex-clube o silêncio imperava.
- É difícil chegar à perfeição, mas estive bem perto dela quando joguei na Espanha. Quando eu ia cobrar as faltas, o estádio ficava quieto. Só se ouvia barulho depois que eu fazia o gol.
Para que Assunção atingisse o sucesso no Brasil e no exterior, a família foi um ponto fundamental. O atleta, que tem mais três irmãos, chegou a morar em um barraco de três cômodos e via mãe se virar vendendo pastéis na porta de casa para conseguir o dinheiro da condução para os treinos. Antes de iniciar a carreira no Rio Branco, de Americana, foi barrado em um teste no Guarani, em Campinas.
Após passagem pelo interior paulista, mudou-se para o Santos, onde ganhou projeção nacional. Depois passou por Flamengo, Roma (ITA), Real Bétis (ESP), Al-Ahli (EAU), Al-Shabab (EAU) e Grêmio Prudente. O retorno para o Brasil ocorreu depois de dez anos. Além da saudade da família, Marcos sentia falta da vida simples que levava com os amigos em Caieiras, das peladas e de assistir aos jogos do Nacional de perto, sentado em um banco, debaixo de uma grande árvore.
- Eu gosto disso. Pretendo parar de jogar em um ou dois anos e ainda não sei o que vou fazer. Não quero ser técnico, disso tenho certeza. Talvez seja empresário. Mas quero ficar aqui em Caieiras, sentar, ver o jogo do Nacional e comer pastel na feira. Essa é a vida que quero ter.
Mas antes da aposentadoria, Assunção cumprirá seu contrato com o Palmeiras, que vai até maio do próximo ano. Sua permanência no clube dependerá do desempenho da equipe no restante da temporada. Uma vaga na Libertadores de 2011 pode ajudá-lo a negociar a renovação.
- Vamos ver o que vai acontecer. Se formos para a Libertadores, vou querer ficar. Caso contrário, teremos de conversar. Se não der certo, vejo outro clube. Se ninguém se interessar também não tem problema. Eu venho para cá (Caieiras) e esqueço tudo. Vou ser uma pessoal normal, como o pessoal daqui me vê - diz Assunção, com olhar fixo no gramado do Nacional, onde agora só jogo nas peladas de fim de ano.
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